Milhares de asteroides estão perto da Terra, e diretor da Microsoft questiona ameaça
Mais de 14 mil asteroides conhecidos zunem pelas vizinhanças da Terra. Todos eles vão errar o planeta nas próximas décadas.
Porém, centenas de milhares mais ainda não foram descobertos e
ninguém sabe se algum deles está em rota de colisão com a Terra. Assim,
achar e acompanhar todos os asteroides que podem cruzar os caminhos do
nosso planeta permitiria às autoridades emitir alertas e,
potencialmente, dar tempo de desviar os perigosos.
A comunidade
de cientistas que contempla essas possibilidades apocalípticas é pequena
e geralmente cordial – pelo menos era até Nathan P. Myhrvold se
intrometer. Antes o diretor de tecnologia da Microsoft, Myhrvold
embarcou em empreendimentos como um compêndio de 2.438 páginas, em seis
volumes, sobre o saber culinário que foi celebrado pelos chefes de
cozinha. Uma continuação, sobre cozidos, está sendo preparado.
Ele também se tornou o flagelo estatístico dos cientistas. Seu
último alvo é a Nasa, a agência espacial norte-americana, em uma briga
pelos dados da sonda Explorador de Pesquisa Infravermelha em Campo Vasto
(mais conhecido pela sigla Wise, em inglês).
Lançado em 2009, a
Wise fotografou 750 milhões de estrelas, galáxias e outros objetos
celestiais, incluindo as emissões de calor de asteroides. A Neowise, um
desdobramento do projeto, usou os dados de calor para calcular o tamanho
e a refletividade de 158 mil asteroides.
Myhrvold afirma que a
análise da Neowise está cheia de erros. "O ruim é que praticamente tudo
está errado. Infelizmente, a maior parte da análise nunca será tão exata
quanto eles esperavam", assegura ele.
Ele enviou sua própria análise dos resultados da Neowise ao periódico "Icarus".
Ex-chefe de tecnologia da Microsoft segura um meteorito em Bellevue, em Washington |
Myhrvold não está afirmando que a Nasa ignorou perigos de
asteroides conhecidos, mas se os cientistas sabem tanto quanto julgam
saber.
Ele também se concentrou na proposta de um
telescópio espacial com preço superior aos US$ 500 milhões – a Câmera de
Objetos Próximos à Terra (Neocam), projeto chefiado por alguns dos
mesmos cientistas cujo trabalho ele está questionando.
Grandes incertezas
A maioria dos milhões de asteroides é encontrada entre as órbitas de
Marte e Júpiter, mas alguns mergulham próximo do Sol. Não existe dúvida
de que um deles um dia atingirá a Terra.
Quanto maior for o
asteroide, maior o cataclismo potencial. A refletividade da superfície –
que os astrônomos chamam de albedo – informa a facilidade com que ele
pode ser detectado.
"Da perspectiva prática de achar asteroides,
é muito importante que saibamos a distribuição dos diâmetros e a
distribuição dos albedos", explica Myhrvold.
Segundo cientistas da Nasa, as estimativas dos diâmetros de
asteroide feitos pela Neowise costumam estar dentro de 10% do tamanho
real, mas Myhrvold afirma que as incertezas são muito maiores, acima de
100% em muitos casos.
Diretores da agência espacial
norte-americana discordam. "Ele é um homem bastante inteligente. Só que
isso não o torna um especialista em tudo", diz Lindley Johnson,
supervisor dos esforços da Nasa para proteger o planeta das rochas
espaciais.
Outros cientistas avaliam que as críticas de Myhrvold têm mérito.
"Eu acho que ele executou um serviço bastante útil ao efetuar uma
análise de erro mais cuidadosa e alertar as pessoas de que não se deve
pegar os dados da tabela da Wise e assumir que eles são a verdade
absoluta", declara Alan W. Harris, pesquisador do Instituto de Ciência
Espacial.
Mesmo que Myhrvold esteja correto, Harris avalia que
os dados da Neowise "tem validade suficiente para ser útil na maioria
dos propósitos".
Nem sequer é astrônomo
Myhrvold não é astrônomo. Ele nunca fez pesquisa com asteroides.
Costuma ser difamado como um "monstro de patentes" porque a
Intellectual Ventures, empresa que fundou após deixar a Microsoft em
1999, compra patentes e cobra tarifas de licenciamento de outras firmas.
Durante seus empreendimentos de paleontologia – outro passatempo – ele
questionou a pesquisa de um professor da Universidade Estadual da
Flórida, Gregory M. Erickson, sobre a taxa de crescimento dos
dinossauros. Em documento de 2013, Myhrvold descreveu supostos erros
estatísticos e parou pouco antes de acusar Erickson de manipular os
dados.
Correções foram anexadas a vários estudos de Erickson, incluindo
duas na "Nature". Erickson e colegas mantêm que os erros não alteram
suas conclusões. A Universidade Estadual da Flórida considerou Erickson
inocente de maus procedimentos.
"Ter alguém como Nathan, com
perspectiva e histórico diferentes, examinando com uma visão renovada,
não acredito que haja algo errado com isso. Isso nos faz pensar", diz
Kristina Curry Rogers, paleontóloga de vertebrados da Faculdade
Macalester, em Minnesota, uma das autoras do estudo de Erickson na
"Nature".
Myhrvold foi atraído às pesquisas sobre asteroides
quando a Fundação B612, organismo sem fins lucrativos dedicado às
iniciativas de defesa planetária, lhe pediu uma doação de dinheiro para a
Sentinel, uma sonda que localiza asteroides, avaliada em US$ 450
milhões, financiada por entidades privadas.
"O que eles não
sabiam é que eu me interessava por asteroides assassinos há muito
tempo", declara Myhrvold. Afinal, acredita-se que o choque de um
asteroide na Terra causou o fim da era dos dinossauros há 66 milhões de
anos.
Contudo Myhrvold ficou sabendo a respeito de várias outras
iniciativas, incluindo a Neocam da Nasa, que custaria quase US$ 500
milhões (sem falar no foguete para lançá-lo), e no Grande Telescópio de
Pesquisa Sinóptica, observatório em construção no Chile.
Cada grupo ofereceu simulações computadorizadas de quantos
asteroides não vistos seriam encontrados, oferecendo hipóteses
diferentes.
Em estudo publicado em março em "The Publications of
the Astronomical Society of the Pacific", Myhrvold usou uma abordagem
mais simples para oferecer uma comparação válida. Ele examinou o volume
de espaço que cada telescópio poderia observar, depois calculou que
fração de asteroides invisíveis passaria por aquele espaço.
"Achei que parecia razoável. Nathan certamente oferece um olhar
renovado", diz Steven R. Chesley, pesquisador do Laboratório de
Propulsão a Jato da Nasa, em Pasadena, Califórnia.
Myhrvold
concluiu que o telescópio no Chile, uma colaboração de US$ 665 milhões
do Departamento de Energia dos Estados Unidos, da Fundação Nacional de
Ciências e outras organizações, poderia encontrar 90 por cento dos
asteroides próximos à Terra se mais tempo fosse gasto procurando numa
posição baixa no céu, próxima ao horizonte do planeta.
Zeljko Ivezic, cientista do projeto do telescópio, afirma que em
troca seria adiado por dois anos o término da pesquisa do resto do
cosmos, além de um custo adicional de US$ 100 milhões; a diretoria do
telescópio pediu se a Nasa poderia ajudar a pagar esse valor.
Por fim, Myhrvold, que ficou rico graças aos seus dias na Microsoft, decidiu não doar dinheiro à B612.
Ele também não deu dinheiro ao Grande Telescópio de Pesquisa Sinóptica,
que recebeu doações particulares de Bill Gates, seu antigo chefe na
Microsoft.
Ao escrever o estudo publicado em março, Myhrvold
conversou com pessoas que trabalham nos diversos projetos, incluindo Amy
Mainzer, principal pesquisadora da Neocam e da Neowise.
Segundo
Myhrvold, para Amy, um telescópio em terra não poderia detectar
asteroides na órbita terrestre porque estariam perto demais do
horizonte.
Isso soou estranho para Myhrvold porque até mesmo amadores podem
detectar facilmente objetos celestiais distantes dentro da órbita da
Terra, tais como Vênus, 42 milhões de quilômetros mais perto do Sol do
que o nosso planeta.
De acordo com Myhrvold, Amy respondeu que
telescópios grandes não eram projetados para serem apontados tão
próximos do solo, mas o do Chile é, ele observou.
Chesley, da
Nasa, está coordenando uma análise mais detalhada da capacidade de
descoberta de asteroide do telescópio; dados preliminares devem ser
divulgados em breve.
Nas últimas apresentações, representantes
da Nasa retrataram a Neocam mais como um complemento do que como um
concorrente. "É um time esportivo. Não existe um sistema só que irá nos
fornecer todos os dados de que necessitamos", assegura Johnson.
A
Nasa não deixou que Amy concedesse entrevista. Ao responder a perguntas
por escrito, ela escreveu que a equipe da Neowise mantém as descobertas
e que os resultados foram validadas por observações independentes e por
outros pesquisadores.
O princípio da grelha hibachi
Myhrvold ficou surpreso com o fato de que os cálculos do albedo da
equipe da Neocam violassem um dos princípios básicos da física,
conhecido como lei de Kirchhoff da radiação térmica segundo a qual
objetos mais brilhantes irradiam menos calor.
De acordo com
Myhrvold, uma demonstração simples disso é a brilhante superfície
cromada para cozinhar de uma grelha hibachi em um restaurante. Uma
superfície escura da grelha banharia os clientes com desconfortáveis
ondas de calor. Os modelos da Neocam não levaram em consideração os
efeitos da luz solar refletida, ele sustenta.
Assim, Myhrvold
examinou a Neowise com maior atenção. Um aspecto que considerou curioso
foi que, em mais de cem vezes, a equipe da Neowise relatou diâmetros de
asteroide que batiam exatamente com os que haviam sido determinados
previamente por outros métodos, tais como o uso de radar e sobrevoos de
espaçonaves. "Acho que é uma forte evidência de que algo está errado."
Por sua vez, Amy explica que os asteroides em que as medições batiam
com exatidão foram utilizados para a calibragem e que os valores
definidos para eles eram os previamente observados.
A comunidade
de asteroides, embora pequena, inclui dois cientistas com o mesmo nome,
Alan William Harris, que não são aparentados. O Harris do Instituto de
Ciência Espacial, que tem 71 anos, é conhecido como "Al, o Velho",
enquanto "Al, o Jovem", 64 anos, é um cientista do Centro Aeroespacial
Alemão que criou o modelo computacional empregado pelos cientistas da
Neowise.
O Harris mais jovem concorda que Myhrvold mencionou um
bom argumento sobre a lei de Kirchhoff e que um exame mais próximo da
análise da Neowise seria frutífero. Satélites anteriores examinavam
comprimentos de onda mais longos em que a luz solar refletida não era um
problema grande.
Todavia, ele discorda do tom de censura de Myhrvold. "Ele demonstra uma atitude muito professoral nesse aspecto", diz.
Myhrvold insiste não querer se vingar dos cientistas da Neowise, porém,
acrescentou não considerar "indevidamente mau de minha parte querer
assinalar que seus dados são irreproduzíveis".
A lei de Kirchhoff voltaria a ser usada com a Neocam, que faria
observações de comprimentos de onda infravermelha relativamente curta. A
Neocam é uma de cinco missões de baixo custo em consideração, e a Nasa
deve aprovar uma ou duas delas em setembro, prevendo seu lançamento na
próxima década.
Amy aceitou responder algumas questões
posteriores, ressaltando que essas dúvidas seriam mais bem respondidas
pelos árbitros que estão revisando o estudo de Myhrvold. "Neste ponto,
acreditamos que é melhor permitir o processo de revisão por pares – a
base do processo científico – para seguir adiante."
FONTE: UOL/THE NEW WORK TIMES
Milhares de asteroides estão perto da Terra, e diretor da Microsoft questiona ameaça
Reviewed by ww
on
11:33:00
Rating:
Nenhum comentário: