Um gato, uma brasileira e um feito inédito na física
Como uma
mineira de 32 anos conseguiu colocar em prática uma das mais complexas teorias
da física moderna e conquistar a comunidade científica internacional?
Tudo que você enxerga
ao redor é resultado de luz refletida. Quando os raios do sol ou de uma lâmpada
batem em objetos, pessoas ou partículas no ar, eles retornam para os seus olhos
e dão forma e cor ao mundo. Esse princípio, um dos mais básicos da ótica, é tão
natural que parece impossível de ser contrariado. Pois foi exatamente isso que
a brasileira Gabriela Barreto Lemos, 32 anos, fez. À frente de um grupo de
cinco cientistas, ela conduziu um experimento revolucionário que registrou
imagens oriundas não da reflexão da luz, mas de um bizarro tipo de “telepatia”
entre partículas conhecido como “emaranhamento quântico”. Esse fenômeno –
classificado pelo físico alemão Albert Einstein como “assustador” – ocorre
apenas com partículas menores do que um átomo, como os fótons que formam a luz.
QUÂNTICO
A luz que formou as imagens no alto nunca tocou o molde em
forma de gato. Abaixo, a pesquisadora brasileira Gabriela Barreto Lemos,
32 anos, que estuda os mistérios da ótica quântica: "Adoro o que é contraintuitivo"
Mineira de Belo
Horizonte, ela faz pós-doutorado no Instituto para Ótica Quântica e Informação
Quântica de Viena, na Áustria, uma das instituições científicas mais
respeitadas do mundo. Foi no laboratório europeu que Gabriela desenvolveu o
estudo que, pela primeira vez, registrou imagens de um objeto que nunca “viu”
luz (confira infográfico). “O feixe de luz que foi detectado pela nossa câmera
nunca atingiu a figura do gato, mas era ‘irmão gêmeo’ do feixe que passou por
ele”, explica a pesquisadora. Isso provou, com resultados práticos, que
partículas que não têm nenhuma conexão física podem compartilhar informação,
como se conversassem telepaticamente.
A escolha da figura
do gato para registrar a imagem não foi por acaso. A equipe de Gabriela quis
homenagear o físico austríaco e ganhador do Prêmio Nobel Erwin Schrödinger. Em
1935, para mostrar o aparente paradoxo de outro conceito da mecânica quântica –
o das realidades paralelas que coexistem enquanto não forem observadas –, ele
propôs um experimento mental em que um gato é colocado dentro de uma caixa
fechada. A vida do animal ficaria à mercê de partículas radioativas. Se elas
fossem liberadas, o gato morreria. Se não, ficaria vivo. Para Schrödinger, se
os princípios da mecânica quântica fossem aplicados a seres e objetos maiores,
o gato teria que estar vivo e morto ao mesmo tempo, até que alguém abrisse a
caixa para observá-lo.
PIONEIRO
O físico austríaco Erwin Schrödinger. Em 1935, para ilustrar o comportamento
aparentemente ilógico de partículas subatômicas, ele propôs o experimento
imaginário do gato que está vivo e morto ao mesmo tempo
O físico austríaco Erwin Schrödinger. Em 1935, para ilustrar o comportamento
aparentemente ilógico de partículas subatômicas, ele propôs o experimento
imaginário do gato que está vivo e morto ao mesmo tempo
Acima
de tudo, Gabriela e sua equipe conseguiram trazer para o mundo real alguns dos
conceitos mais complicados da física moderna. E isso não é um feito pequeno.
“Os chamados efeitos quânticos não são nada triviais”, diz Gabriela, que ganhou
uma bolsa de estudo da Academia Austríaca de Ciências e não depende de nenhum
programa do governo brasileiro para conduzir sua pesquisa. Ao mesmo tempo, a
equipe que realizou o experimento vislumbra, num horizonte não muito distante,
aplicações práticas para essa captação indireta de imagens. Médicos poderiam,
por exemplo, iluminar um tecido sensível com uma luz invisível, que não
danificaria as células, enquanto um raio de luz “gêmea”, porém visível, criaria
a foto em uma câmera.
O
trabalho pioneiro, publicado na respeitada revista científica Nature, gerou
reconhecimento internacional para Gabriela e sua equipe. Quando terminar o
pós-doutorado, no fim de 2015, ela pretende retornar ao Brasil para continuar
as pesquisas. “Temos pessoas muito capacitadas na física brasileira”, diz.
“Esse tipo de conhecimento não pode ser negligenciado pelo País.”
Fonte: IstoÉ
Um gato, uma brasileira e um feito inédito na física
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